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Bye, Bye Peão


José Rogério Oliveira
Em seu terceiro longa-metragem, Gabriel Mascaro faz um recorte ao mesmo tempo geográfico e simbólico que “costura” o mundo da vaquejada a partir do que não é visto, ou ao menos levado em conta quando se espera de um filme com tal ambiência. Na trama bem urdida, o peão Iremar – competentemente interpretado por Juliano Cazarré, apresenta-se de forma hibrida, um homem-boi que ambiciona ser mais que boi. Criar e costurar faz parte de sua empreitada existencial para sair daquele ciclo – onde o mugido de Iremar ecoa o lamento dos animais, longe da parafernália e excesso kitsch das vaquejadas.
De início, com a tela ainda preta, ouvimos mugidos de homem e bois, remetendo à busca, com esse boi estilista, de uma espetacularização dos contrastes, evidenciados no uso de cores naturais – ao retratar cenas do cotidiano, em abordagem quase documental, nos currais ou na estrada dividindo espaço com os bois dentro da carroceria de um caminhão – e as cores fortes cheias de luz e sombra, quase barrocas – quando os sonhos de Iremar tornam-se concretos.
Essa sacada do diretor é fundamental para percebermos o que virá a seguir: o mugido de Iremar misturado aos dos bois, que o primeiro prepara para deleitar a plateia e fazer do vaqueiro o homem-cavalo. O cavaleiro, em toda sua simbologia ibérica, é também desconstruído para ser recosturado algumas cenas depois, numa boate onde galega, mulher-cavalo sensualmente vestida por Iremar, desnaturaliza a sensualidade de uma dançarina de boate para incomodar e deleitar os desfocados homens excitados na plateia.
Como uma colcha de retalhos outras personagens também são costuradas, e aqui merece relevo a transgressão entre papeis habitualmente identificados como masculinos ou femininos: mulheres dirigem o caminhão; grávidas ou não, sentem desejos sexuais; pegam em armas de fogo; enquanto homens,  ainda que embrutecidos pelo trabalho, são sensíveis à suas querências. Qualquer previsão ou compartimentalização dos personagens é facilmente descosturada pelo roteiro e direção de Mascaro, que busca o humano, e não os estereótipos que ignoram as variadas nuances.
Construir/ costurar; desconstruir/ descosturar; a brutalidade e a sensibilidade; o homem e a mulher; o belo e o grotesco; o natural e o artificial; o vestido e desnudo. É Cacá, contudo, quem dirige essa fauna humana e híbrida interior adentro, apresentando um território também híbrido onde a tradição mantem sua força mesmo com os excessos trazidos pela modernização. Porém, diferente da trupe de circo apresentada por um homônimo de Cacá, o filme de Mascaro não é melancólico frente à expectativas de futuro. Ao contrário, busca criar, poeticamente, sentidos e práticas onde antigo e novo estabelecem seus limites a partir de jogos de aderência e refrações típicos de momentos de transição.
* Extraído do site Oficina de Crítica do crítico André Dib.