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O peão em desenho neon


Uilma Queiroz
“Boi Neon” faz um recorte incomum da vaquejada em seu cotidiano. A dicotomia é o grande mote da trajetória dessa dupla de peões, uma caminhoneira e sua menina. Dicotomia essa não se limita à construção dos personagens: um peão sensível, outro escroto; a mulher sensual; a menina forte. Além dessas, a narrativa é pautada na tensão entre a vaquejada e a indústria têxtil ligadas por Iremar e na expectativa que o diretor sugere quanto à sexualidade, gênero, classe. Expectativas essas que são constantemente destruídas ou reconstruídas.
Ao escolher o boi e a peãozada para nos guiar pelo universo da vaquejada, Gabriel Mascaro desconstrói, ou melhor, subverte uma tradição de heroísmo e centralidade do universo da vaquejada na figura do vaqueiro, elemento este que é decisivo para a construção da narrativa fílmica. Esse recorte caracteriza “Boi Neon” através de uma linguagem próxima a documental pelos olhos dos seres que, assim como o boi, são derrubados da arena social, pois, o grupo que cuida de bois e são bois. Assim a luta de classes é simbolizada pelo animalesco cavalo-boi, vaqueiro-peão.
A luz do cotidiano é naturalista. O que foge desse contexto é denunciado pela luz forte, artificial. Contudo, essas fugas são postas como parte do “normal”. Ao passo em que Iremar concilia a moda com o cuidado dos bois, Galega mistura o volante com o erotismo.
Essa sucessão de oposições, expectativas e surpresas é entoada por uma música que age como elemento conectivo da plateia com o forró, que se consagra como tema das festas do agreste ao sertão, sobretudo, da vaquejada. O fato de o diretor optar por uma trilha fiel aos sons desse universo é outro elemento documental do filme, assim como a maioria das câmeras paradas e em plano médio, guiadas pelo olhar surpreendente de Mascaro, que contraria expectavas em torno do tema.
Essa é uma marca do diretor, que começa por negar a trajetória do herói, ao direcionar os olhos para o submundo da vaquejada, ao sugerir uma homoafetividade entre Iremar e Junior, que explode em sexo em ambientes incomuns, nos bebedouros dos animais (Junior e Galega) ou uma fábrica têxtil (Iremar e Geiza). Esta ultima é ponto alto do filme, pois a transa também se dá entre Iremar e a fábrica têxtil, seu paraíso.
Por si este contexto já seria suficientemente extraordinário. Contudo, outro elemento é crucial para a cena mais longa do filme. Geiza está gestante, elemento que questiona a ideia social de que mulheres grávidas são imaculadas. Forte e linda, Geiza, além da metáfora da fábrica, é uma subversão da imagem da mulher grávida.
No entanto, mesmo havendo um desejo de Iremar com relação à moda, não há negação do ser peão. Ele não sonha em ser estilista, ele é. E extrai glamour em restos de tecido, manequins encontrados no mar de lama e plástico. “Boi Neon” é, sobretudo, um olhar sensível e subversivo sobre humanos centauros e minotauros.
* Extraído do site Oficina de Crítica do crítico André Dib.