Por José Alberto Júnior
Durante muitos anos minha cinefilia foi regada a filmes na
televisão, locadoras de VHS e, posteriormente, o DVD e os sistemas de streaming.
Demorei 20 anos para conhecer uma sala de cinema – de shopping, evidentemente,
mas que naquele momento era um evento único para mim. Anos mais tarde fui a um
dos cinemas mais lindos que conheço, o São Luiz, no Recife. Sensações mistas,
euforia, alegria, enfim, um momento que levarei para sempre.
Mas ontem, no início da 4ª Mostra Pajeú de Cinema, aqui em
Afogados da Ingazeira, o documentário de abertura me fez imergir na história do
Cine São José. Me fez mergulhar não só nas memórias expostas na tela, mas
também nas minhas próprias: onde eu estava enquanto o cinema da cidade ainda
funcionava regularmente? Por que eu nunca soube desse cinema antes? São coisas
que sempre vou me perguntar.
E William Tenório, diretor de Cine S. José, faz
questão de dizer que esse espaço que o filme – e que o cinema assistia ontem,
quase num efeito Inception – é uma resistência. Não só pelas falas dos
entrevistados que assistiam a si mesmos na tela, mas também pela narrativa do
filme. As fotografias da época da reconstrução nos anos 1990, aliadas ao
desenho do som, deram um efeito de “cenas filmadas” às imagens de arquivo
apresentadas ao espectador. O trabalho de som ressalta os ruídos e burburinhos
que vem das ruas da cidade, uma realidade para quem vai ao Cine São José. Os
recursos formais do curta nos aproximam de um realismo que vivemos e que,
inclusive, foi sentido na sessão.
A direção mantém a câmera por quase todo o filme em planos
fixos, apenas deixando que o espectador explore o espaço do cinema através das
fotos e dos depoimentos. Aúnica cena em que não se utiliza planos fixos – no
início do curta, quando um projecionista prepara um filme em 35mm para ser
exibido – carrega uma sutileza simbólica, uma homenagem ao cinema clássico nos
tempos digitais. Com isso, temos a impressão de que o próprio cinema assistisse
a obra.
Cine S. José é um documento vivo para a população de
Afogados da Ingazeira e do Sertão do Pajeú, uma declaração de amor para as
pessoas que reergueram, mantiveram e ainda lutam por esse cinema. Mais do que
isso, é dizer que o cinema está vivo.
A Oficina de Crítica da 4ª MPC foi ministrada pelo crítico de cinema Heitor Augusto.